Cerca de três em cada dez idosos que vivem em lares das misericórdias sofrem de demência e 80% têm “deterioração cognitiva”, revela um estudo elaborado pela União das Misericórdias Portuguesas (UMP) e que esta sexta-feira foi apresentado em Fátima. São dados ainda preliminares de um trabalho em 23 lares que provam que “não basta dar apoio social a estas pessoas, elas necessitam também de cuidados de saúde e fármacos que permitam atrasar a evolução da demência”, defende o médico Manuel Caldas de Almeida, que coordenou o estudo.
Um ano depois de ter sido lançada, a investigação exploratória que está incluída num projecto mais vasto denominado VIDAS (Valorização e Inovação em Demências) permitiu perceber que é igualmente muito elevado – cerca de 70% – o número de idosos com “fragilidade geriátrica”. “São pessoas com idades superiores a 85 anos, com várias patologias e com dependências funcionais, como a necessidade de apoio para tomar banho e vestir”, explica Caldas de Almeida, que é o responsável pela área de cuidados continuados na UMP .
Nas 23 estruturas residenciais, o estudo permitiu avaliar 1500 idosos para determinar o grau e a taxa de demência (este termo abrange um grupo alargado de doenças que provocam um declínio progressivo, sendo a de Alzheimer a mais prevalente e conhecida). Um grupo de psicólogos aplicou uma bateria de testes e alguns dos diagnósticos foram aleatoriamente confirmados por neurologistas. Os dados ainda estão a ser trabalhados, mas Caldas de Almeida adiantou à Lusa que a taxa de demências é superior a 30%.
Este projecto começou a ser idealizado pelos responsáveis da UMP quando perceberam que o problema estava a assumir uma dimensão impressionante nos seus 391 lares de idosos e quatro centenas de serviços de apoio domiciliário. “Passámos de 6% de demências nos lares, no final dos anos 90, para entre 25 e 30% actualmente, e a nossa projecção é que vamos chegar aos 50% nos próximos anos”, contabilizava há um ano Caldas de Almeida ao PÚBLICO. O estudo agora apresentado veio provar que estas projecções eram acertadas.
Se as demências atingem uma taxa elevada, há um problema suplementar, devido à grande heterogeneidade no grupo de pessoas afectadas: muitos idosos estão nas fases iniciais enquanto outros encontram-se já nas fases avançadas da doença. “E estão misturados nos mesmos espaços”, em estruturas que há 10, 20 ou mais anos foram “pensadas para outro tipo de população”, lamenta o médico.
“O perfil das pessoas que estão nos lares mudou. As pessoas, felizmente, hoje ficam em casa até mais tarde, graças ao apoio domiciliário, e as que vivem nos lares estão muito velhas e têm muitas doenças. Já não basta cama, mesa e roupa lavada”, enfatiza.
Um dos problemas é que aquilo que o Estado paga às instituições actualmente não é suficiente para dar resposta a esta mudança de paradigma, diz. Os valores, segundo Caldas de Almeida, “não são actualizados há pelo menos quatro ou cinco anos e os custos aumentam todos os anos”.
Desenhados para dar resposta hoteleira e social (e são apenas essas funções que estão previstas na lei), os lares estão “relativamente bem equipados para a fragilidade geriátrica, mas não estão preparados para a demência”, que coloca questões específicas ao nível da estimulação, da segurança e da vigilância, reforça.
Mas a investigação permitiu perceber no terreno (com equipas de arquitectos e engenheiros) que é possível adaptá-los à nova realidade, sem necessidade de construir novos equipamentos Mas, mais uma vez, onde se vai buscar dinheiro para isso? A nova linha de financiamento comunitário Horizonte 2020 é uma possibilidade, diz o médico. “Temos que privilegiar a adaptação do que temos, como alguém dizia, não queremos tijolos queremos miolos”.
Outro problema prende-se com o difícil acesso, em determinadas regiões do país, às especialidades médicas que lidam com as demências (neurologia e psiquiatria), que faz com que muitos dos idosos não tenham o acompanhamento farmacológico necessário, acrescenta Caldas de Almeida . “Não há fármacos que curem a demência mas há fármacos que atrasam muito a evolução da doença e controlam as manifestações secundárias, daí a importância do acesso precoce”, explica.
Financiado pelo Programa Operacional Potencial Humano, o projecto VIDAS incluiu ainda a formação de cerca de 500 colaboradores das Misericórdias, entre directores técnicos e provedores, profissionais de saúde e ajudantes de lar.
Fonte: Jornal Público